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"Imagine o leitor uma floresta natural madura e longeva no espaço que hoje é Portugal.
As árvores são, naturalmente, uma componente estrutural dominante, mas não exclusiva dessa floresta. Entre a restante vegetação há várias outras espécies, quer arbustivas quer herbáceas, e organismos mais simples como os musgos.
São as árvores centenárias que dominam o ecossistema.
Haverá árvores de todas as idades, mas são as árvores centenárias que dominam o ecossistema, não apenas pela sua dimensão, mas também porque, no seu longo processo de decadência e finalmente morte, abrigam todo um universo de seres vivos.
As florestas nativas podem prestar um enorme manancial de serviços à sociedade:
- fornecem água de qualidade
- conservação do solo
- manutenção de elevados níveis de fertilidade do solo
- armazenamento prolongado de carbono
- preservam a biodiversidade
- contrariam o aquecimento global
-regulam o regime hidrológico,
- suavizam os picos de cheia
Os organismos decompositores – bactérias, fungos, microinverterbrados – pululam na manta morta proveniente da folhagem que se desprende cada ano, e transformam a matéria orgânica, permitindo que os nutrientes sejam gradualmente libertados e disponibilizados às raízes das plantas vivas.
Desta complexa teia dependem todos os animais da floresta, desde os microscópicos, que vivem no solo e na matéria vegetal morta, aos que dependem das folhas e dos frutos, aos roedores e aos herbívoros. Animais de tamanho e visibilidade crescente à medida que percorremos a cadeia alimentar, culminando nos predadores, mamíferos e aves, diurnos e noturnos.
O leitor deverá agora ter em conta que apenas pode imaginar uma floresta assim em Portugal, pois no nosso país as florestas primárias foram todas destruídas pelo Homem ao longo dos milénios.
Sim, foram destruídas, mas outras vezes apenas alteradas na sua composição, e em situações mais raras foram apenas pouco alteradas, permitindo-nos ter um vislumbre das antigas florestas que acompanharam as diferentes civilizações que passaram pelo nosso território.
Ainda existem alguns resquícios destas florestas: a Mata do Solitário na Serra da Arrábida, a de Albergaria na Serra do Gerês, a da Margaraça na Serra do Açor ou a Laurissilva da Madeira constituem uma amostra, mesmo que alterada, do que foram as florestas pristinas do passado. Devido à sua raridade e ao seu valor natural e histórico, estas florestas têm um grande valor patrimonial.
As Florestas Nativas prestam um enorme manancial de Serviços Sociais
Para além do seu valor patrimonial, em geral as florestas nativas podem prestar um enorme manancial de serviços à sociedade: a regulação do regime hidrológico, suavizando os picos de cheia e fornecendo água de qualidade; a conservação do solo e a manutenção de elevados níveis de fertilidade, o armazenamento prolongado de carbono (algo muito diferente de simples fixação de carbono) necessário para contrariar o aquecimento global; a paisagem, que faz com que estes locais sejam muito visitados para recreio e lazer; ou o abrigo a animais e plantas, constituindo sistemas com elevada biodiversidade.
Num país onde os incêndios são um fenómeno recorrente, estas florestas podem ser locais muito pouco favoráveis à propagação do fogo.
Em particular as florestas maduras dominadas por espécies folhosas caducifólias como os carvalhos ou o freixo, dão normalmente origem a um ambiente aprazível de sombra e de frescura durante o verão, que torna mais difícil a propagação dos incêndios, algo amplamente comprovado cientificamente. As florestas nativas são também uma excelente barreira ao avanço de espécies exóticas invasoras, como tem sido também recorrentemente demonstrado por estudos científicos.
Com todos estes benefícios, parece natural que algo seja feito pela sociedade para favorecer estas florestas, relativamente à floresta estritamente produtiva. No entanto, há a tentativa de passar a mensagem mesmo por agentes do meio académico, que as florestas não devem ser discriminadas.
Há quem chegue ao ponto de comparar a discriminação das espécies florestais a questões sociais como o racismo, numa espécie de antropomorfismo das árvores no mínimo absurdo, para não dizer ridículo. A acompanhar esta linha de raciocínio vem a afirmação de que apenas a gestão florestal faz a diferença em termos dos serviços prestados à sociedade.
Esta assunção nega décadas de investigação científica que demonstram até à exaustão que as espécies são todas diferentes, e que há umas mais diferentes que outras, chama-se a isso distância filogenética. Esta distância faz por exemplo com que pouquíssimos animais da nossa fauna se alimentem de espécies provenientes do outro extremo do Planeta, como o eucalipto ou as acácias. O chavão da gestão, tão recorrente no discurso sobre a floresta, parte do princípio que tudo deve ser gerido, e que, portanto, cai sobre o Homem e não sobre as espécies, o papel que eventualmente possam ter quanto aos serviços que prestam e sobre os problemas que possam causar.